🔥Viagem internacional, treta nacional
Giro de Lula pela Ásia vira munição política nos grupos que miram eleição de 2026
🗞️ O que está acontecendo?
É possível que a viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer à Rússia e à China tenha sido planejada para reforçar alianças estratégicas e econômicas do mais puro interesse do Brasil, mas caiu como uma bomba nos grupos públicos de WhatsApp do país, oxigenando uma longa fila de narrativas hostis ao governo federal.
Nos últimos sete dias, pelo menos 987 mensagens únicas sobre o assunto impactaram mais de 354 grupos públicos de WhatsApp, potencialmente alcançando 127 mil pessoas. O número de mensagens positivas sobre o assunto é ínfimo.
Uma análise de sentimento feita a partir do conteúdo dessas publicações mostra que a ida do presidente à Rússia foi mais mal vista do que sua visita à China. Também deixa claro que o sentimento negativo em relação à estadia com os russos foi maior — e mais frequente — que o observado com os chineses. Veja, a seguir, os dados extraídos da Palver.
📊 O contexto importa:
Realizado em meio à descoberta de uma fraude bilionária no INSS e logo após a ida de uma comitiva brasileira ao funeral do Papa Francisco (considerada excessiva por opositores), o giro internacional de Lula deu lugar à desconfiança e à hostilidade online. O fato de a primeira-dama Janja da Silva ter chegado à Moscou antes e de o ditador venezuelano Nicolás Maduro também ter participado de eventos na Rússia serviram de lenha para a fogueira. Possíveis impactos comerciais e geopolíticos reais da viagem não ganharam muita (ou nenhuma) tração. Em seu lugar, viralizou o veredito de que a viagem é uma peça na guerra simbólica entre lulismo e bolsonarismo e de que o presidente opta por maus parceiros.
🎥 O que viralizou:
Na Rússia, Lula participou das celebrações pelos 80 anos da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, a convite do presidente Vladimir Putin. O evento, que também reuniu líderes como Xi Jinping (China), Nicolás Maduro (Venezuela) e Miguel Díaz-Canel (Cuba), reacendeu críticas antigas sobre a suposta simpatia do governo brasileiro por regimes autoritários. Mensagens amplamente compartilhadas no WhatsApp chamaram o encontro de “reunião de ditadores” e acusaram o Brasil de se alinhar a um “bloco autocrático”, contrário aos valores democráticos do Ocidente.
Uma das questões mais exploradas por críticos foi a suposta proibição, por parte da Estônia, de sobrevoo do avião presidencial brasileiro em direção à Rússia. Na verdade, tanto Letônia quanto Estônia negaram autorização de uso do espaço aéreo para a aeronave que levava a primeira-dama e uma comitiva de assessores, dias antes. O trajeto da viagem de Lula se manteve o mesmo. A informação foi usada para sustentar a narrativa de que o Brasil estaria sofrendo uma “humilhação diplomática” sem precedentes.
A primeira-dama também foi (mais uma vez) alvo de críticas. Publicações viralizadas afirmaram que ela teria viajado sozinha em um avião da FAB com capacidade para 220 passageiros, e sugeriram, sem provas e com ofensas, que algo suspeito teria sido transportado na aeronave — insinuando ligação com o escândalo recente de fraudes no INSS.
A retórica conspiratória foi intensificada por influenciadores e canais que associaram a comitiva presidencial a possíveis manobras para “enterrar CPIs” ou negociar acordos secretos com senadores que estavam na comitiva.
A passagem de Lula pela China também gerou forte reação nos mesmos ambientes digitais. Mensagens acusaram o presidente de “entregar aos chineses oportunidades de ouro para explorar a infraestrutura do Brasil” e reforçaram a ideia de que ele estaria se afastando de países democráticos para se aliar a regimes autoritários.
Apesar da assinatura de acordos relevantes entre Brasil e China — como a produção de combustível para aviação a partir da cana de açúcar e projetos para ampliar o acesso à internet em regiões remotas — esses avanços foram praticamente ignorados pelos grupos públicos de WhatsApp do país.
Slogans como “Fora Lula”, “Diplomacia Envergonhada” e “Brasil Humilhado” dominaram os conteúdos compartilhados, frequentemente acompanhados da exaltação a Jair Bolsonaro como o verdadeiro defensor dos valores patrióticos e do alinhamento com o Ocidente.
🚨 O que dizem as checagens?
Pelo menos duas informações falsas envolvendo a viagem do presidente Lula à Rússia e à China já foram desmentidas por plataformas de checagem. É mentira que Janja, a primeira-dama, tenha sido barrada no aeroporto de Moscou por estar carregando 200 malas — o boato não tem qualquer base em fatos. Também é falsa a alegação de que o Brasil teria assinado um acordo com uma estatal chinesa para a compra de terras brasileiras destinadas à produção de milho e soja por empresas estrangeiras. A narrativa de que o governo está “entregando as riquezas nacionais” não se sustenta. Compartilhar esse tipo de desinformação só alimenta um ambiente de instabilidade e manipulação política.
💬 Por que isso importa?
Dois pontos merecem atenção hoje. Primeiro, a política externa do Brasil está sendo usada como munição em uma campanha eleitoral que já começou — ainda que informalmente — tanto por aliados do governo quanto por seus opositores. Missões diplomáticas complexas, com impactos reais na economia e nas relações internacionais, estão sendo distorcidas em tempo real dentro de grupos públicos de WhatsApp que, tudo indica, terão protagonismo nas eleições de 2026.
Segundo, há uma erosão crescente da confiança pública nas instituições democráticas. Viagens oficiais estão sendo retratadas como oportunidades para gastos suspeitos ou acordos obscuros, mesmo sem qualquer evidência. Essa desconfiança, fomentada por narrativas falsas, representa um risco real para a estabilidade política e exige uma resposta mais firme do governo — além de mais vigilância por parte da sociedade.
E mais…
Cerca de um milhão de usuários de WhatsApp e Telegram foram impactados, nas últimas 24 horas, por mensagens que anunciam o italiano Carlo Ancelotti como o novo técnico da seleção brasileira de futebol. Segundo dados da Palver, ao menos 292 mensagens únicas sobre o tema circularam em 131 grupos diferentes nesse período. Grande parte das postagens destaca que Ancelotti, atualmente no comando do Real Madrid, seria “o técnico mais vitorioso do mundo”. A afirmação, porém, não se sustenta por completo. Levantamentos da imprensa esportiva mostram que o italiano aparece em quinto lugar no ranking de treinadores com mais títulos. Ele está atrás de Alex Ferguson (49 troféus), Pep Guardiola (39), Mircea Lucescu (32 ou 36, dependendo da fonte) e Valeriy Lobanovskyi (33), enquanto Ancelotti soma 30 conquistas oficiais. Seu total seria semelhante ao de Luiz Felipe Scolari.
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Metodologia desta edição
Query 1: lula AND (china OR chines*)
Query 2: lula AND (Russia OR Putin)
Query 3: ancelloti OR anceloti OR ancelotti OR ancellotti
Período: 4 a 12 de maio de 2025
Recorte idiomas: Português
Plataformas observadas: Grupos públicos de WhatsApp e Telegram
Ferramentas de apuração: Palver.com.br
p.s: A Lupa segue o Código de Ética da International Fact-Checking Network desde sua criação e tem a transparência e o apartidarismo como principais premissas de trabalho.
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