🔥Urânio, China e bet ilegal na Libertadores
Falsa venda de metal a chineses viraliza mesmo depois de correções e checagens
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Desde quinta-feira passada (28), quando G1, O Globo e revista Exame publicaram — de forma equivocada — que a China havia comprado uma reserva de urânio no Amazonas, os grupos públicos de WhatsApp do Brasil estão em polvorosa. Ao menos 16 mensagens únicas com ataques aos chineses e, principalmente, aos brasileiros que supostamente “autorizaram” essa negociação não param de circular e já levaram seta dupla da Meta por conta da alta viralização. Segundo dados da Palver, esses 16 conteúdos aterrissaram em ao menos 12 grupos públicos, alcançando quase 20 mil pessoas, apesar de absolutamente nada na história ficar de pé.
Poucas horas depois de noticiar a venda da suposta reserva de urânio, G1, O Globo e revista Exame fizeram o certo: se corrigiram. Em suas notas, destacaram que, na verdade, a transação feita com o grupo chinês China Nonferrous Trade (CNT) envolvia uma reserva de estanho próxima a uma “promissora reserva de urânio”, um espaço que ainda não é totalmente explorado.
Nas correções, os meios de comunicação também pontuaram que a Constituição brasileira determina que o urânio — usado na fabricação de materiais bélicos como bombas atômicas — só pode ser explorado pelo Estado, ficando fora do alcance de empresas privadas, nacionais ou estrangeiras.
Apesar de os jornais terem sido rápidos na correção e de muitas checagens terem sido publicadas de lá para cá, a desinformação e as mais ensandecidas narrativas em torno da falsa venda de urânio parecem imparáveis. A análise de como a falsa polêmica se espalhou pelos aplicativos demonstra que seu comportamento obedece a algum interesse maior.
As 16 mensagens virais sobre a imaginária compra de urânio feita pela China no Brasil se dividem em dois grupos, com duas narrativas predominantes. O primeiro conjunto reúne conteúdos que tentam convencer os usuários de WhatsApp de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, teriam cometido um crime de lesa-pátria ao supostamente acertar essa venda com os chineses.
Num vídeo gravado dentro do Congresso, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) chega a atacar as organizações não-governamentais que comumente atuam na Amazônia, sugerindo que haja entre elas e o governo Lula um conluio para atender aos interesses da China.
Outras mensagens, em texto, inflamam a ira daqueles que se informam pelo WhatsApp ao sugerir que a tal venda de urânio seria um ataque à soberania nacional, já que entregaria “recursos estratégicos a empresas controladas pelo governo chinês". Links para portais alinhados à direita aparecem nesses conteúdos, indicando que a oposição ao governo Lula não só se organizou para usar essa narrativa, mas também continuou apostando nela mesmo depois da publicação das correções e das checagens sobre o assunto.
Levantamento feito por meio da ferramenta de monitoramento NewsWhip, que enxerga redes sociais abertas e blogs, indica que pelo menos 290 páginas publicaram “notícias” sobre a venda de urânio à China, gerando mais de 32 mil interações em plataformas como Facebook, X, Instagram e YouTube.
No segundo grupo de mensagens, reinou uma narrativa mais surpreendente: a de que a venda da reserva de urânio no Amazonas serviria de porta de entrada para as tropas chinesas e que elas ajudariam o governo federal a implantar o comunismo no Brasil.
Uma animação de pouco menos de dois minutos e com grande qualidade gráfica se destacou. Nela, sugere-se que a suposta venda da reserva para a China iria “muito além de dinheiro ou acordos comerciais". A voz que acompanha a animação aposta no “fear mongering” (“propagação do medo", em português) para sugerir que os chineses estão, na verdade, dando “um passo estratégico” em território brasileiro “para a implantação do comunismo” e que “o plano [deles] vai muito além da exploração mineral".
“Com o argumento de construir usinas e garantir a segurança dessas operações, é quase certo que essas empresas trarão para o Brasil militares chineses, tanques e equipamentos", diz o vídeo, antes de sugerir que essa seria a forma de Lula “avançar no seu plano de criar uma guarda nacional, desmantelar as Forças Armadas brasileiras e enfraquecer qualquer resistência".
Xi Jinping, presidente da China, esteve no Brasil para a reunião do G-20 e realmente celebrou uma série de acordos com o governo federal, posando para fotos ao lado de Lula. Mas o maior plano de expansão chinês, conhecido mundialmente como Nova Rota da Seda, foi rejeitado pelas autoridades brasileiras até segunda ordem. O Brasil deu a entender que teme alinhar-se à China, peitando os Estados Unidos do presidente eleito Donald Trump.
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E mais…
Mais de 15 mil usuários de WhatsApp e 26 mil de Telegram receberam na última semana ao menos uma mensagem que os incentivava a apostar em quem venceria a final da Copa Libertadores: Botafogo ou Atlético-MG. Dados da Palver mostram que ao menos uma empresa de bets que não consta na lista oficial de empresas autorizadas pelo governo a ofertar apostas online fez uso desses aplicativos de mensagem para angariar clientes. Trata-se de uma entidade situada no interior de São Paulo e que, no WhatsApp, anunciava prêmios de até R$ 31 mil. Uma busca pelo nome da empresa no site Reclame Aqui confirma que ela coleciona relatos de calote. A 🔥Ebulição lembra que apostas online podem ser arriscadas tanto para seu bolso como para sua saúde mental.
Nota da autora
A 🔥Ebulição é pensada para atender às suas necessidades. Mande seus comentários e sugestões para cris@lupa.news.Um abraço carinhoso,
Cris Tardáguila
Fundadora e repórter da Lupap.s: A Lupa segue o Código de Ética da International Fact-Checking Network desde sua criação e tem a transparência e o apartidarismo como principais premissas de trabalho.
Metodologia desta edição
Query 1: (todo conteúdo)
Query 2: China
Query 3: Libertadores AND apost*
Período: 25 de novembro a 2 de dezembro de 2024
Recorte geográfico: Brasil
Recorte idioma: Português
Plataformas observadas: Grupos públicos de WhatsApp e Telegram
Ferramentas de apuração: Palver.com.br e NewsWhip