🔥STF vota sobre redes, apps falam em ‘censura’
Telegram domina repercussão sobre julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet
🗞️ O que está acontecendo?
A retomada do julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização das redes sociais por conteúdos publicados por terceiros, chegou a 57 grupos no WhatsApp e no Telegram ao longo desta quarta-feira (11), número quatro vezes maior que o registrado na véspera. De todas as interações que mencionavam “marco civil” observadas ao longo do dia, 80,7% ocorreram no Telegram, aplicativo que abriga grandes grupos de disseminação de pautas da direita no Brasil. Os dados são da Palver, que monitora mais de 100 mil grupos públicos nos dois aplicativos.
A ideia de que o Brasil está prestes a institucionalizar a censura aparece em grande parte do conteúdo compartilhado. Os termos “STF” e “censura” foram mencionados juntos em 64 grupos. À noite, uma publicação com a imagem de um homem com a boca tapada dizia que o STF “ressuscitou a censura porque a liberdade é inconstitucional”. A mensagem foi disparada simultaneamente em três grupos de Telegram, às 19h30.
📊 O contexto importa:
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar, na semana passada, dois casos que poderiam resultar na declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). O dispositivo trata da responsabilidade dos provedores de aplicações digitais — em geral as big techs — por conteúdos publicados por terceiros. Nesta quarta-feira (11), com os votos dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, o tribunal formou maioria para responsabilização das plataformas.
Desde 2014, quando o MCI foi aprovado, vigorava a regra segundo a qual redes sociais só poderiam ser responsabilizadas por conteúdos veiculados em suas plataformas se não atendessem a medidas ordenadas pela Justiça. Esse modelo, conhecido como “ordem judicial e retirada”, permite que as big techs hospedem, impulsionem e lucrem com conteúdos potencialmente danosos até que o Poder Judiciário determine sua exclusão.
O artigo 19, segundo o próprio texto da lei, tinha como objetivo “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Acontece que as redes sociais evoluíram ao longo desses 11 anos e, hoje, especialistas divergem sobre a regra, como mostrou a Lupa. Até o momento, apenas o ministro André Mendonça votou pela manutenção do dispositivo como ele é hoje.
🎥 O que viralizou:
Um dos vídeos mais compartilhados no WhatsApp mostra uma mulher vestida de preto, dentro de um carro, falando sobre o julgamento do artigo 19 pelo Supremo. A gravação começa com um exercício de ficção: “imagine acordar e descobrir que sua opinião foi deletada, seu vídeo silenciado, seu perfil removido, sua voz censurada”. Em seguida, ela afirma que “estamos prestes a nos tornar o primeiro país do mundo onde o STF terá o poder de tirar do ar qualquer conteúdo que considerar inadequado”. A fala distorce o debate real, que trata da responsabilização civil das plataformas pela exposição nas redes de conteúdos nocivos ou até mesmo criminosos, e não do papel do STF em situações que exijam avaliação sobre a retirada de conteúdos. Ao longo do vídeo, o termo “censura” é repetido ao menos três vezes.
A censura deu o tom das interações ao longo do dia. “Querem calar a nossa voz”, diz Maguinha Malta, filha do senador Magno Malta (PL-ES), em vídeo compartilhado no Telegram. A ideia é também expressa pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), em vídeo compartilhado às 17h31, logo após o voto do ministro Cristiano Zanin. “O que está acontecendo hoje no STF, é mais um passo gigantesco, um salto em direção à censura a um estado totalitário”, diz.
Outro parlamentar, o deputado federal Maurício Marcon (PODE-RS), apareceu em pelo menos cinco grupos públicos — quatro no Telegram e um no WhatsApp —, em publicação com a frase “Censura legalizada no Brasil”. Em vídeo, o deputado aparece na tribuna da Câmara discursando contra a declaração de inconstitucionalidade do artigo 19: “A censura passa a ser algo normal em nosso país”.
Em alerta aos demais parlamentares, Marcon vai ainda mais longe: “Todos nós, colegas, passamos a ter risco de ser presos pelas opiniões dadas aqui nessa tribuna (...) Nós estamos de joelhos aos absurdos do Supremo Tribunal Federal. Hoje eles nos censuram, amanhã nos colocarão atrás das grades”.
💬 Por que isso importa?
O julgamento sobre a responsabilidade das big techs por conteúdos publicados por terceiros é uma das ações mais importantes na pauta do STF neste segundo semestre de 2025, segundo os próprios ministros. Isto porque há um entendimento de que as redes sociais se tornaram permissivas a conteúdos como discurso de ódio, desinformação, incitação à violência, crimes contra menores de idade e outras condutas criminosas, como racismo e compartilhamento de cenas íntimas sem consentimento.
Ao longo dos últimos anos, cresceu o entendimento de que o artigo 19 funcionava como uma “desculpa” para a inação das big techs. A discussão levanta, no entanto, questionamentos sobre o cerceamento à liberdade de expressão, já que um dos possíveis modelos a serem implementados vai exigir que as redes retirem do ar qualquer conteúdo potencialmente danoso.
E mais…
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi mencionado em 348 grupos de WhatsApp e Telegram. Os termos “Haddad” e "Nikolas” aparecem juntos em 60 grupos, repercutindo o bate-boca que aconteceu na Câmara dos Deputados, durante sessão conjunta das comissões de Finanças e Tributação e de Fiscalização Financeira e Controle. O tumulto aconteceu depois que o ministro criticou os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ) por fugirem do debate. Nikolas havia feito críticas à condução econômica do governo, mas se ausentou da sala quando o ministro iria responder aos questionamentos, o que Haddad classificou como “molecagem”. Nos apps, predominou a crítica ao ministro da Fazenda: “Haddad ‘surta’ após vergonha”, “Nikolas Ferreira é impedido de rebater Haddad” e “Nikolas joga a real na cara de Haddad” são algumas das frases que circularam em diversos grupos públicos.
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Metodologia de trabalho utilizada nesta edição:
Query 1: “marco civil” Query 2: “STF” AND “censura”
Query 3: “Haddad”
Query: “Haddad” AND “Nikolas”
Período: 11 de junho de 2025
Recorte idiomas: Português
Plataformas observadas: Grupos públicos de WhatsApp e Telegram
Ferramentas de apuração: Palver.com.br
p.s: A Lupa segue o Código de Ética da International Fact-Checking Network desde sua criação e tem a transparência e o apartidarismo como principais premissas de trabalho.
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