🔥 Porta dos Fundos desperta fúria cristã
Religiosos se revoltam com vídeo humorístico de 2022; ‘boicote’ ao Magazine Luiza volta aos apps para o Natal
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Grupos públicos de WhatsApp no Brasil são palco constante de mensagens de cunho religioso. Textos com versículos bíblicos, áudios de orações e imagens de santos estão entre os conteúdos mais compartilhados nesses espaços todos os dias. Na última semana, no entanto, um vídeo chamou a atenção com um discurso inusitado: a pregação de um governo satanista.
Uma simples busca no Google revelaria aos usuários do app da Meta que o material vem do grupo humorístico Porta dos Fundos e que é antigo: data de setembro de 2022. Nele, o candidato fictício Sérgio Góes, do inexistente Partido Basta, declara ter “feito aliança com o capeta”, critica quem “fala em Deus” e sugere substituir o tripé “família, tradição e propriedade” por uma nova abordagem, argumentando que o modelo atual “não deu certo”. Góes é interpretado pelo ator Luis Lobianco, e o entrevistador é o humorista Fábio Porchat.
A sátira antiga não foi bem recebida – ou, simplesmente, foi bastante mal interpretada. Uma mensagem de texto agressiva, chamando o “candidato” fictício de “canalha vagabundo” e afirmando que ele faz parte do governo Lula, viralizou nos últimos dias, ficando entre os conteúdos mais compartilhados em grupos públicos de WhatsApp no país.
Junto ao conteúdo, há um vídeo react (daqueles em que alguém “reage” a outro vídeo), no qual um homem critica, a sério, o conteúdo humorístico -– talvez não tenha percebido que se trata de uma sátira. Nos primeiros segundos, ele diz “isso aqui passou de todos os limites” e vira o rosto. Na tela, aparecem as frases: “as mensagens satânicas não é [sic] mais oculta [sic]” e "vigiai e orai.”
Dados da Palver indicam que, entre os dias 18 e 25 de novembro, o material -– que também foi desmentido pela Lupa em 2023 -– circulou por pelo menos 13 grupos públicos de WhatsApp e foi amplamente compartilhado no Centro-Oeste e no Nordeste do Brasil. Viralizou tanto que a Meta atribuiu ao conteúdo a seta dupla que indica grande quantidade de encaminhamentos. A Ebulição encontrou o mesmo material no YouTube.
O caso ajuda a ilustrar o desafio que existe em se implementar uma lei contra “fake news”. A confusão desses milhares de usuários de WhatsApp que levaram a sério a sátira do Porta dos Fundos é um espelho da confusão de parte da sociedade sobre o que é desinformação. O fato de alguém não compreender o conteúdo humorístico seria suficiente para tratá-lo como “fake news”? Quem teria o poder de decidir isso?
Outro ponto: onde exatamente reside a “fake news” deste caso? Na mensagem de texto (obviamente falsa) que sugere que o candidato fictício é ministro do governo Lula? No react que trata a piada como declaração séria — talvez por não ter entendido a brincadeira? Ou na combinação desses elementos que, juntos, formam uma narrativa deliberadamente mentirosa e cheia de ódio contra a administração federal?
A discussão ainda esbarra na dificuldade em identificar os autores da mensagem que dá origem a todas as outras e os responsáveis primários por conteúdos que viralizam em plataformas como o WhatsApp. Um usuário atento perceberá prontamente que as imagens trazem selos que indicam a passagem anterior por contas de TikTok e Kwai.
É um caso que expõe, com os dois pés fincados na realidade dos aplicativos de mensagens, as complexidades e nuances envolvidas numa lei para combater a desinformação. Sem esse tipo de raciocínio e experiência real, nenhuma iniciativa nesse sentido será plena.
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E mais…
A menos de um mês para o Natal, voltou a circular em grupos públicos de WhatsApp uma foto (verdadeira) da primeira-dama Janja da Silva ao lado da empresária Luiza Trajano, acompanhada de um pedido de boicote à Magazine Luiza. Dados da Palver mostram que ao menos 21 mil usuários do app teriam sido impactados por essa convocação, cuja adesão parece se concentrar na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Em 2023, o ex-diretor da Funarte Sérgio Camargo usou a imagem para convocar o mesmo movimento, mas não teve sucesso. Ataques ao chocolate Bis, à marca Piracanjuba e ao filme Guerra Civil (que tem Wagner Moura no elenco) são outros exemplos de ações frustradas de articulação de boicotes via app.
Nota da autora
A 🔥Ebulição é pensada para atender às suas necessidades. Mande seus comentários e sugestões para cris@lupa.news.Um abraço carinhoso,
Cris Tardáguila
Fundadora e repórter da Lupa
p.s: A Lupa segue o Código de Ética da International Fact-Checking Network desde sua criação e tem a transparência e o apartidarismo como principais premissas de trabalho.
Metodologia desta edição
Query 1: (todo conteúdo)
Período: 18 de novembro a 25 de novembro de 2024
Recorte geográfico: Brasil
Recorte idioma: Português
Plataformas observadas: Grupos públicos de WhatsApp e Telegram
Ferramentas de apuração: Palver.com.br